Ryuutama

Olá pessoas!

Ano passado eu quase traduzi para vocês o maravilhoso RPG japonês que é Golden Sky Stories do tanto que falei sobre suas mecânicas e proposta de jogo único. Hoje trarei aos senhores o que pude absorver da leitura de outro RPG japonês e que finalmente foi lançado através do Kickstart pelo Kotodama, o mesmo pessoal que trouxe o conhecido Tenra Bansho Zero (o BURP falou muito bem dele aqui). Estou falando de Ryuutama, um RPG de fantasia natural único e que merece a atenção e leitura de todos.

Apresentação

Mas o que é Ryuutama? Trata-se de um RPG criado por Atsuhiro Okada em 2007 com a proposta de ser um jogo sobre fantasia natural. Opa, espere um momento! “Fantasia natural”? Como assim? Diferente do clássico D&D que foca no combate e na exploração de masmorras (e que muitos outros tentam copiar), Ryuutama tem como objetivo a jornada pelo mundo, percorrer novas terras e se deixar levar pela estrada, construindo uma história a medida em que se desbrava o cenário. E, de fato, o cenário é construído a medida em que as personagens avançam, pois seu mundo aberto serve mais como um plano de fundo estilizado que de fato um cenário com cidades e NPCs definidos.

Ryuutama vai além do RPG tradicional ao conceder ao narrador um personagem próprio para também fazer parte desta jornada. Enquanto os jogadores desempenham o papel de aventureiros, aqueles que protagonizarão a história, cabe ao narrador guiar as ações do ryuujin, um ser semi-divino que acompanha os aventureiros e os guiam das sombras, atuando como um guardião zeloso e um ávido historiador das aventuras que movem o mundo de Ryuutama.

Logo na Apresentação do livro temos quais papeis os jogadores e o narrador assumirão com seus personagens, aqui separados em classes e raças dos ryuujin, respectivamente. Isso ajuda bastante na hora de pensar no tipo de personagem a ser criada, ou na história que se pretende contar, uma vez que cada raça de ryuujin possui poderes únicos associados ao tipo de narrativa que será contada. Contos sobre aventura, contos sobre relações, contos sobre batalhas ou contos sobre tragédia, cada um está associado a um ryuujin.

O livro segue então com uma Introdução explicando o básico que qualquer pessoa precisa saber sobre como jogar um RPG e a temática de Ryuutama. Tudo é explicado de forma simplificada, acompanhado por uma arte estilo mangá que traz ao livro uma harmonia que condiz bem com o espírito do jogo.

Primavera

O primeiro capítulo do livro, Primavera, é focado nos jogadores e aventureiros. Lá está descrito como criar a ficha e as sete classes (class) do jogo: menestrel, mercador, caçador, curandeiro, fazendeiro, artesão e nobre. Toda personagem em Ryuutama possui quatro atributos que usam dados de faces crescentes ao invés de números. Temos assim Força (Strength), Destreza (Dexterity), Inteligência (Inteligence) e Espírito (Spirit), variando sua pontuação de d4 até d12. Lembra o Savage Worlds, né? A diferença é que em Ryuutama não existem as perícias tradicionais com pontuações, já que elas atuam como habilidades especiais de cada classe. Além das classes, as personagens também possuem um tipo (type), podendo ser Atacante, Técnico ou Mágico. Ai alguém lá no fundão grita: “Eita! Olha as roles do True20!”. De fato, temos mais um elemento conhecido de outros jogos, e que no Ryuutama se mostra de forma bem intuitiva.

Outras características importantes incluem os Pontos de Vida (Hit Points), derivados de Força, Pontos de Mente (Mental Points), derivados de Espírito, e a Capacidade de Carga, onde em Ryuutama é essencial, pois o jogo foca a jornada como algo importante do desafio de se aventurar e cada item usado a seu favor poderá ser crucial. Detalhes menores incluem os equipamentos iniciais e as armas que a personagem sabe usar, aqui lembrando muito o D&D. Por fim, segue a lista de magias e como usá-las, sendo separadas em Encantamentos (Incantations) e Magias das Estações. As magias são bem personalizadas, adequando-se ao espírito de Ryuutama.

Ainda no primeiro capítulo é apresentada as regras de evolução. E é justamente na Progressão que Ryuutama deixa bem claro o seu estilo de jogo. Toda personagem terá um nível que varia do 1º ao 10º, ganhando HP e MP a cada nível e outros benefícios. O detalhe está na forma de ganhar experiência. A personagem ganhará XP uma vez por sessão de combates, calculando o ganho baseado no monstro mais poderoso derrotado, deixando claro que o combate não é necessariamente o foco. Ela também ganhará XP uma vez por sessão baseado no teste de Topografia mais difícil superado durante sua jornada, sendo seu ganho quase 10 vezes maior que o de batalhas, em média. Sim, vencer a topografia é essencial em Ryuutama, e existe toda uma mecânica para isso que falarei adiante. Por fim, todos recebem 50 XP por cada poder que o ryuujin usar na sessão. Isso significa dizer que a jornada e a participação do ryuujin são o foco da aventura, dando mais experiência para a personagem e avançando a história.

Verão

O capítulo do Verão é voltado para as mecânicas gerais e a construção de cidades e mundos. Os testes são feitos rolando os dados de dois Atributos, simplificando bastante o sistema e ainda o conferindo certa "elegância". Já as jornadas são divididas em testes que são feitos a cada dia de viagem. O primeiro é a de Condição, que indica o estado de saúde da personagem. Caso esteja num dia ruim, ela receberá um status negativo que limitará um dos seus Atributos até ser curada. A segunda e terceira rolagem é a da Viagem e Direção, respectivamente. Em geral elas são feitas apenas uma vez por viagem, e ignoradas quando a personagem já está familiarizada com o caminho que está percorrendo. O último teste é o do Acampamento. Essa mecânica da jornada é interessante, mas pode se mostrar bastante cansativa dependendo de quantos dias demore para chegar ao lugar desejado. Repetir teste atrás de teste não algo interessante. Entretanto, o próprio livro alerta para este fato e indica que sejam adotadas jogadas mais espaçadas para viagens longas, além de dar preferência para viagens curtas.

Já o combate se mostra como algo diferente do usual. A primeira grande característica dele é o campo de batalha, havendo uma zona frontal e uma afastada exclusiva para aventureiros e outras apenas para monstros. Lutadores situados nas zonas afastadas só podem ser atacados à distância, enquanto que aqueles corpo a corpo só podem avançar caso derrotem todos os inimigos da zona frontal. Isso lembra a mecânica de alguns games de JRPG (Valkyrie Profile e Breath of Fire 4, por exemplo), sendo algo peculiar e interessante de ter num RPG de mesa. Outro elemento único são os objetos. A cada combate, os jogadores devem escolher cinco “objetos” presentes em cena e que podem ser usados uma única vez para gerar um bônus de +1 num teste. Isso amplia o poder descritivo do combate e instiga a criatividade dos jogadores, que devem buscar soluções criativas para receberem um agrado num teste particularmente mais complicado.

Outono

O capítulo do Outono é voltado para o narrador em si, os ryuujin e a criação da aventura. A ideia de o narrador ter um personagem, mesmo atuando mais como um observador que de fato um aventureiro, é algo tão diferente que o Ryuutama faz questão de explicar bem o papel do ryuujin, tanto no jogo quanto no mundo. Cada raça de ryuujin indica um tipo de jogo que se pretende narrar, e seus poderes refletem esta escolha. O midori-ryuu dos Contos da Jornada, por exemplo, possui poderes próprios para ajudar os aventureiros durante testes de jornadas. Outra coisa importante sobre os ryuujin é que eles evoluem à medida que as sessões passam, ganhando novos poderes e pontos para usá-los, podendo até mesmo escolher se unir ao grupo e se tornar um aventureiro ele mesmo, onde o narrador passar a sua função para um jogador, mas ainda mantendo seus poderes de ryuujin.

Entretanto, a parte mais complexa do livro está na criação da aventura. Muitas vezes durante uma viagem a jornada pode gerar problemas, ou mesmo encontros com monstros e NPCs, o que será definido pelo narrador através do que ele planejou para a sua aventura. Aqui, o livro apresenta regras bem diversificadas de como criar um encadeamento de cenas e eventos que definiram a aventura narrada em cada sessão, dando para serem usadas em outros jogos.

Inverno

O capítulo final, Inverno, é voltado para a apresentação dos monstros que estão espalhados por todo o mundo de Ryuutama. É basicamente um capítulo com tabelas de monstros, encerrando o livro em si e dando ao narrador mais uma ferramenta para que possa criar suas aventuras.

Creio que o que mais senti falta no livro é um exemplo de jogo e aventura pronta. Ao final de cada capítulo há um pequeno exemplo de sessão, mas ele é muito simples e escasso para que seja realmente significativo e ajude a entender bem como jogar. Entretanto, a leitura do livro é muito agradável e fácil, mesmo em inglês, o que ajuda bastante a captar as principais nuances que devem ser levadas em consideração ao se narrar um jogo usando Ryuutama.

Fechamento

Pois é pessoal, este é o Ryuutama. Trazendo muitos elementos que já conhecemos de outros RPGs ocidentais, somado a uma atmosfera peculiar que apenas jogos japoneses conseguem evocar e até mecânicas que se espelham nos games clássicos de JRPG, eu avalio a leitura como essencial para aqueles que desejam experimentar um jogo realmente único e que prega pela diversão e simplicidade.

Infelizmente nem tudo me agrada, como a escolha de algumas perícias/habilidades das classes, certas magias e a repetitividade de testes na mecânica de jornada. Entretanto, o fato dele trazer ideias interessantes, tanto para os combates quanto para a forma de narrar e jogar me agradaram bastante, além da simplicidade em sua maior parte. O livro carece de mais detalhes e principalmente exemplos, o que justifica seu tamanho diminuto (são apenas 240 páginas). Mas de resto, o livro é recheado de um conteúdo ótimo e prazeroso a qualquer RPGista.

Até and Bye...

Postagem revisada em 17/09/2024.

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