The Magical Land of Yeld


Olá pessoas!
Como têm passado? O ano começou atarefado lá no Mundos Colidem, onde posto quinzenalmente, ainda mais agora que resolvi fazer uma adaptação de Final Fantasy Tactics para D&D 5ª Edição. Isso vem consumindo boa parte do meu tempo, mas pelo menos ocupa a minha mente enquanto aguardo pela revisão do texto do segundo playtest do Gaia RPG (vai Jokinha, vai!). Mas, tentando manter o ritmo de postagens mensais aqui do blog, hoje falarei um pouco sobre um RPG que li há pouco tempo: The Magical Land of Yeld.

Apresentação
Escrito por Nick Smith e Jake Richmond, criadores do famigerado e premiado Classroom Deathmatch, The Magical Land of Yeld (Yeld, para simplificar) é um RPG financiado com sucesso em 2016 e publicado pela editora Atarashi Games. Baseado e ambientado no mundo da webcomic Modest Medusa, criado pelo próprio Jake Richmond, Yeld é um RPG para todas as idades onde um grupo de crianças encontra uma porta para a terra mágica de Yeld e lá vivem grandes aventuras, até descobrir que estão presas neste novo mundo e que a única forma de escapar é obtendo as sete chaves mágicas que abrem a porta. Contudo, cada chave está na posse de um dos Caçadores de Yeld, os mais poderosos servos do terrível Príncipe Vampiro Dragul, o tirano que vem oprimindo os moradores deste mundo há séculos. Cabe então às crianças derrotar os Caçadores, obter as chaves e fugir de Yeld antes que completem 13 anos, senão serão transformadas em monstros e jamais poderão retornar!

E é com essa premissa épica que somos introduzidos a um livro de quase 270 páginas, totalmente colorido e ricamente ilustrado com um estilo artístico similar ao de desenhos animados, possuindo vários quadrinhos com complementam a apresentação do cenário e exemplificam as regras do jogo. Ele é dividido em dez capítulos, sendo objetivos em suas explicações e possuindo uma ordenação não tão convencional para o que se espera de um livro de RPG. Seu designer pode até parecer simples à primeira vista, mas é condizente com o clima do jogo. Pessoalmente gostei muito da sua estética, e suas ilustrações auxiliam na imersão de quem está lendo.

Criando Amigos
No início do jogo, todos os jogadores (incluindo o narrador, aqui chamado de Game Master, ou GM), deverão criar uma criança entre 7 e 12 anos que será a sua personagem, sendo chamada de Amigo. Cada Amigo possui basicamente três características: Core Dice, Special Dice e Restore Rolls. Os Core Dice fazem as vezes de atributos, sendo: Strong (força e ações atléticas; usado para atacar em combate), Tough (resistência; usado para se defender de ataques), Smart (astúcia; usado para resolver problemas e lançar magias), e Brave (coragem; usado para superar medos, mover-se em combate e interromper ações). Os Special Dice fazem as vezes de perícias e habilidades, sendo comumente somados aos Core Dice para superar um desafio ou gerando efeitos únicos (como voar usando uma vassoura), possuindo uma lista própria. Já os Restore Rolls definem quantas vezes por sessão cada Amigo pode tentar curar um Core Dice perdido ao longo da aventura.

Os Amigos são separados inicialmente por tipos, concedendo-os algumas características iniciais e auxiliando na interpretação dos jogadores. São eles: irmãozona (protetora; é sempre a mais velha do grupo), rival (competitiva), bully (valentão), princesa (centro das atenções), sabe tudo (inteligente), criancinha (inocente; é sempre a mais nova do grupo), fedelha (quer tudo do seu jeito), mentirosa (inventiva), e cão (sim, você pode jogar com um cachorro e ele fala – desde que não esteja com uma arma em sua boca). Além do tipo, a idade do Amigo também influenciará nas suas características, onde quanto mais velho, mais Special Dice ele receberá, mas terá menos Restore Rolls. E é isso! Basta escolher um tipo, definir a sua idade, por um ponto extra num dos quatro Core Dice a sua escolha (cada um começa com no mínimo 1 ponto), e está pronta a ficha do seu Amigo.


Descobrindo Yeld
Amigos criados, é hora de se aventurar em Yeld! O livro sugere que as primeiras experiências das crianças além da porta mágica sejam misteriosas e instigantes, onde, ao final do dia, elas possam retornar para casa e relembrar tudo o que aconteceu, ao mesmo tempo em que desejam se aventurar mais. Sim, a porta não será trancada logo após entrarem. Somente depois de algumas sessões, com as crianças acostumadas as estranhezas daquele mundo, é que elas perceberão que estão trancadas. Elas então, ajudadas por um sábio morador que conheceram em suas aventuras, receberão suas Heroic Jobs (“profissões heroicas”) e descobrirão a verdade sobre o Príncipe Dragul, seus poderosos Caçadores e as chaves mágicas que eles guardam. E é aí que a verdadeira aventura começa!

As Heroic Jobs são um misto de classes e ocupações, concedendo Core Dice, alguns Special Dice exclusivos e equipamentos iniciais, sendo elas: Mago Negro (usuários de feitiços que ferem e prejudicam os outros), Mago Branco (usuários de magias de cura e suporte), Freelancer (exploradores que fazem de tudo), Oathbreaker (guerreiros poderosos e resistentes), Pastor (pessoas que guiam os outros com sabedoria... e ovelhas), Ladrão de Almas (ladinos), Bruxa (usuários de maldições e que voam em vassouras), e Caçador de Bruxas (especializados em lidar e combater usuários de magia). Fora seus benefícios, cada Heroic Job também possui uma explicação de como ela se encaixa na história do mundo, possuindo relevância no cenário (os magos negros, por exemplo, são mal vistos em Yeld devido terem usado seus poderes de forma exagerada no passado, distorcendo as leis naturais e invocando males terríveis sobre o mundo). É possível também, com o tempo, trocar de Job, tornar-se mestre numa delas ao realizar uma Mastery Quest, ou até ter acesso as Advanced Jobs, como por exemplo o Caçador de Vampiros (especializado em caçar os maiores servos do Príncipe Dragul), ou o Coletor de Impostos (uma espécie de mago que usa matemática e dinheiro para criar suas façanhas sobrenaturais). Por fim, caso um Amigo chegue aos 13 anos ainda em Yeld, ele se tornará um monstro e receberá uma Monster Job, estando preso naquele mundo para sempre (será?), podendo ou não continuar ajudando seus Amigos a voltarem para casa.

Diferentemente de outros RPG, Yeld possui uma mainquest estabelecida (“fugir de um mundo mágico antes que seja tarde demais”), dizendo exatamente o que é necessário fazer para a alcançar (“derrote os Caçadores de Yeld e colete suas chaves mágicas para destrancar a porta que leva para casa”). Entretanto, cabe a todos os jogadores definir o caminho que eles desejam seguir, não havendo, portanto, um passo a passo obrigatório. Em Yeld, a jornada é mais importante do que necessariamente o seu final. Para isso, é ideal que cada sessão de jogo seja uma aventura fechada, com uma abertura, desafios e uma luta contra um temível chefão no final, sendo este o modelo ideal explicado no livro (como num episódio de desenho animado). E, a fim de trazer uma visão diferenciada para cada aventura, os autores incentivam que o GM seja alterado entre os jogadores a cada sessão de jogo. Ao final de uma aventura, todos devem se reunir e decidir o título da seguinte, permitindo que próximo GM pense nos desafios que serão enfrentados. Assim, todos seguirão o caminho que concordaram em jogar, mas ainda mantendo o mistério sobre o que pode acontecer.


Dados e Desafios
Mas como funcionam as mecânicas de Yeld? Os jogadores farão testes para superar desafios ou adversários, devendo igualar ou superar a rolagem do GM a fim de ter sucesso (empates são sempre vencidos pelos jogadores). Cada valor no Core Dice e Special Dice usado pelo Amigo permite a rolagem de 1d6, onde o resultado final será igual à soma de todos os dados rolados. Assim, por exemplo, um Ladino de Almas que queira passar despercebido por um grupo de guardas deve obter sucesso num teste de Brave (Core) + Hide & Sneak (Special). Caso possua 3 em Brave e 2 em Hide & Sneak, ele rolará 5d6 e somará todos os seus resultados contra a rolagem do GM. Em desafios, a quantidade de dados que o GM rolará dependerá da dificuldade da aventura (Fácil, Normal ou Desafiadora; o que também delimita a quantidade e qualidade das recompensas ao final dela), bem como do progresso da história (quanto mais Caçadores de Yeld forem derrotados, mais fortes estarão os Amigos e mais desafiador deverão ser os desafios). Já em combates, cada monstro terá sua ficha e uma quantidade de dados definida para cada caso.

Falando em combates, aqui fica perceptível a inspiração em games que Yeld possui. Antes de tudo, todos os envolvidos devem ser posicionados na Arena de Batalha (Action Board), sendo um mapa quadriculado de 8x8 similar a um tabuleiro de xadrez. A iniciativa é meio que decidida no grito: quem der a entender ou falar que age primeiro começa. Cada envolvido então terá um turno, podendo fazer uma ação e um movimento. Pode-se andar um número de quadrados por turno igual ao seu valor de Brave mais qualquer Special Dice que auxilie no movimento. Já na sua ação é possível atacar, lançar uma magia, usar um Special Dice ou um item. Quando terminar o seu turno, o Amigo ou o monstro decide quem agirá em seguida até todos terem agido na rodada.

Existem três particularidades no combate que quero destacar, sendo a primeira delas o dano. Atacar exige um teste de Strong (magias usam Smart) contra o Tough do alvo, onde ambas as ações podem receber bônus de Special Dice e/ou equipamentos. Em Yeld, os equipamentos ajudam nos testes, aumentando os valores dos Core Dice, seja dentro ou fora de combates (uma espada que forneça +3 em Strong aumentará o Core Dice em qualquer situação, não apenas para atacar). Com o sucesso do ataque, o alvo perderá 1 ponto de Tough, morrendo caso fique com zero e se tornando um fantasma (Oi? É, falo disso depois). Magias, alguns itens e Special Dice permitem afetar outros Core Dice além de Tough, e isso poderá ser essencial em algumas situações. O segundo ponto são as Ações Acumuladas (Banking Actions). Caso queira, o Amigo ou o monstro poderá não agir na rodada e guardar sua ação, gastando-a posteriormente. Não existe um limite na quantidade de ações que podem ser acumuladas, bem como não há um limite de quantas podem ser gastas num único turno. O terceiro ponto são as interrupções e a Cadeia de Ações (Action Chain). Sempre que um Amigo escolher outro para agir depois de si, este Amigo receberá um dado extra em todas as suas ações até o final do turno, onde a quantidade de dados extras acumula enquanto o Amigo anterior tiver sucesso na sua ação e passar a vez para outro aliado. Desta forma, é possível acumular muitos dados extras com ações cadenciadas, e as Ações Acumuladas também se beneficiam destes dados. A única forma de evitar isso é tentar interromper a cadeia. Interromper uma ação requer um teste de Brave contra o Brave de quem está sendo interrompido. Ao interromper a ação de um inimigo, quem o fizer toma a iniciativa para si e faz o seu turno na rodada. As Ações Acumuladas e a Cadeia de Ações acrescentam uma camada de estratégia ao combate que pode ser decisiva em momentos cruciais, principalmente porque tanto Amigos quanto monstros podem usar destes recursos.


Fortunas e Perigos
Yeld é um mundo com suas próprias regras. Inspirado tanto em games e quanto em desenhos, muitas “loucuras” podem acontecer durante uma aventura. Uma das mais estranhas é que a morte é só o princípio... err, digo, a morte é facilmente reversível. Na verdade, quando um Amigo ou monstro morre, ele não “morre” de fato, apenas vira um fantasma, e os fantasmas ainda podem ajudar no combate à sua maneira (por isso cuidado para não matar um monstro desnecessariamente). Para voltar ao normal, basta que os demais Amigos vivos retornem para uma estalagem e “plin”, vivo novamente. Ah, e não interessa o que houve com o corpo, ele volta ao normal como num passe de mágica, com todos os equipamentos inclusos (e sem penalidades, porque isso aqui não é Dark Souls). Mas e se todo o grupo morrer? Bem, no dia seguinte eles “renascem” na última estalagem que descansaram. E é isso. Vida que segue. Obviamente que todos os recursos e tempo gasto durante a aventura serão perdidos, mas nenhuma penalidade afligirá os Amigos. Já o que acontece com os monstros é outra história (mistério...).

Outra curiosidade é que alguns monstros “dropam loot”, ou seja, quando derrotados eles podem deixar itens ou tesouros aleatórios para as personagens, e não necessariamente o que estão usando no momento. Eu sei, não faz sentido, mas em Yeld é assim que as coisas ocorrem. A qualidade e a quantidade do loot depende da força do monstro (se ele era um adversário comum ou um chefão) e da dificuldade da aventura (que já citei anteriormente). Considerando que a forma mais fácil melhorar os Core Dice é com equipamentos, uma vez que eles conferem bônus nas caraterísticas de quem os usa, fica evidente o quão importante um loot pode ser. Mas derrotar monstros não é a única forma de obtê-lo. Aventuras focadas em exploração podem ter tesouros em seu final, ou moradores agradecidos podem concedê-lo devido a ajuda que receberam. O livro traz algumas tabelas indicando como conceder o loot dependendo de cada situação, bem como um capítulo inteiro com diversos itens únicos que podem ser encontrados em Yeld (e muitos deles são tão temáticos que são divertidos de ler e usar).


Mistérios e Revelações
O livro dedica seus últimos capítulos ao GM, explicando como criar e narrar uma aventura em Yeld (alterando o foco entre a mainquest e as demais aventuras), estipular desafios, criar e usar monstros (há uma lista com vários prontos), e outras informações importantes. Um detalhe curioso, contudo, é que não há um capítulo dedicado exclusivamente ao cenário. Da descoberta da porta, passando pela criação dos Amigos e suas Heroic Jobs, e indo para os detalhes de como o mundo influencia as ações das personagens, todo o cenário é explicado ao longo da leitura. E isto é feito desta forma pois Yeld não é um mundo com um mapa definido. Seguindo uma estrutura que lembra Ryuutama, o mundo é construído à medida em que os Amigos se aventuram nele, descobrindo novas localidades enquanto se deslocam. Alguns locais notáveis são citados no livro, como a Montanha da Tempestade, as ruínas do Castelo de Sutherland e as antigas Forjas das Fadas, mas elas podem estar em qualquer lugar no mapa do mundo (algo que me lembrou bastante o game Legend of Mana). Marcar estes pontos no mapa é importante, pois se deslocar leva tempo e um ano em Yeld possui apenas 100 dias, e cada dia perdido é um mais próximo de se tornar um monstro.

Por fim, o livro apresenta oito aventuras prontas, uma para derrotar cada Caçador de Yeld e a última para enfrentar o Príncipe Vampiro em pessoa. Estas aventuras são todas Desafiadoras e apresentam elementos únicos, seja para derrotar o chefão ou lidar com seus obstáculos, além de concederem as recompensas mais poderosas do cenário. Não existe uma ordem certa para enfrentar os Caçadores, mas só é possível chegar a Dragul após derrotar todos eles. A porta que separa os mundos abrirá após usar todas as sete chaves guardadas pelos Caçadores, ou seja, enfrentar Dragul é opcional. Contudo, caso os Amigos decidam que o Vampiro tiranizou as terras de Yeld por tempo suficiente, eles podem ir enfrentá-lo. Além disso, a essa altura, eles saberão que Dragul guarda o segredo de como fazer um Amigo que tenha se tornar um monstro voltar a ser humano, podendo ser uma motivação extra.


Fechamento
Uma das coisas que notei ao ler Yeld é sua clara inspiração em games quanto às suas mecânicas (como o já citado Legend of Mana, Final Fantasy e The Legend of Zelda), e em desenhos quanto ao seu cenário (pude notar elementos de Hora de Aventura, O Segredo Além do Jardim e Hilda). Há muito mistério, loucura e diversão no mundo de Yeld, mas também algumas coisas sinistras e muito sérias. Enquanto um dia é possível conversar sobre uma receita de bolo com uma nobre aranha da tribo dos animais, no outro os Amigos podem se deparar com uma criatura bizarra formada pela união dos corpos e almas de moradores de uma vila destruída pelo capricho do Príncipe, onde a única forma de dar fim ao seu sofrimento é a matando. Enquanto um dia é possível salvar uma vila do ataque de fadas lideradas por um dos Caçadores, no outro um Amigo pode ver a si mesmo se tornar um monstro e ser odiado por todos daquela mesma vila que ele ajudou a salvar. A profundidade dos temas que podem ser tratados nas aventuras de Yeld varia conforme cada grupo, cabendo as suas regras a auxiliar na diversão de todos.

Ainda sobre as regras, existem certas escolhas que me incomodaram. O fato de que todo teste é uma oposição entre jogador e GM, mesmo aqueles contra obstáculos, é algo que não me agrada e vejo que pode quebrar o fluxo da narrativa. O mesmo vale para combates, pois toda rolagem de ataque é contestada por uma rolagem de defesa (imagine um Amigo com três Ações Acumuladas e resolva usá-las todas de uma vez. Seriam quatro rolagens do jogador E do GM para evitar cada ação). Em sistemas que usam de dice pool (rolagem de múltiplos dados), é comum que a resolução dos testes leve um pouco mais de tempo, atrapalhando o ritmo do jogo quando ela é excessiva e constante (como em combates). Contudo, mesmo que não seja uma opção claramente descrita, o próprio livro sugere que o GM não precisa rolar dados, bastando estipular um número que os jogadores deverão superar (tirar 15 ou mais no teste, por exemplo). Como isto não é uma regra, cabe ao GM definir qual seria o melhore valor em cada caso.

No geral, Yeld é um RPG maravilhoso. De fato, eu não li todas as aventuras contra os Caçadores e Dragul justamente porque desejo muito jogar ao menos algumas vezes. No mais, este certamente é um jogo que merece ser lido e jogado por todos que possuem qualquer afinidade pelas suas inspirações que citei nesta postagem.

Até and Bye...
Postado originalmente no Mundos Colidem.

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