Pugmire e minhas primeiras impressões


Olá pessoas!
Hoje resolvi trazer mais uma postagem que publiquei há um tempo lá no Mundos Colidem, dando uma folga na criação de novos conteúdos (minha adaptação de Final Fantasy Tactics para D&D 5ª Edição está sendo trabalhosa como o esperado, ou seja, muito). Por isso, fiquem com minha resenha e primeiras impressões de Pugmire, e conheçam um pouco mais sobre este cenário curioso de cães antropomórficos.

Apresentação
Pugmire é um RPG de fantasia medieval criado por Eddy Webb e publicado em 2017 pela Onyx Path após uma campanha muito bem-sucedida no Kickstarter. Ambientado num mundo que não é necessariamente o nosso, mas onde a humanidade desapareceu misteriosamente há muitos séculos, Pugmire é um RPG onde os jogadores assumem os papéis de cães antropomórficos que “evoluíram” e estabeleceram uma sociedade que lembra bastante a nossa visão da fantasia medieval, vivendo num mundo repleto de perigos, mistérios e aventuras. Ele usa a Open Game License e o sistema d20, mais especificamente uma versão alternativa e “amigável” do D&D 5ª edição. De acordo com o autor, o sistema foi alterado para permitir uma criação mais direta e fácil das personagens, enfatizando o lado cooperativo e dinâmico do jogo sobre a competitividade e violência.

O livro apresenta todas as regras necessárias para se jogar, incluindo informações para os narradores, itens mágicos e regras para criação de inimigos, algo que aprecio bastante nos jogos atuais (como o Shadow of the Demon Lord e 13ª Era). Sobre o livro em si, ele é todo colorido, tendo uma boa diagramação e apresentação. Ao longo das suas quase 260 páginas somos acompanhados pela princesa Yosha Pug e por Pan Duchshund, que complementam as explicações e apresentam alguns exemplos, facilitando a compreensão das regras e cenário, além de tornar o livro mais amigável ao leitor. Sinto que ele poderia ter mais artes, mas as existentes são muito bonitas e contextualizam bem o cenário. Como só possuo a versão em PDF, não posso opinar sobre a qualidade do seu material físico, mas ao menos o PDF possui diversos marcadores e links para referências, no sumário e ao longo de todo o livro.

Introdução e Cenário
Após o sumário, o livro traz um trecho de uma aventura típica de Pugmire, algo que comumente vemos nos livros das Crônicas das Trevas (Cronicles of Darkness), também publicados pela Onyx Path. Em seguida temos a Introdução, que cumpre bem o seu papel de apresentar o jogo e o livro em si, além de informar algumas das inspirações do Pugmire, como o Mouse Guard, cujo RPG oficial foi publicado pela editora Retropunk aqui no Brasil.

O capítulo um traz um breve relato da princesa Yosha Pug sobre as terras de Pugmire. Ela resume bem o que há para saber sobre o cenário, principalmente o que é de conhecimento comum e ideal que os jogadores saibam. Pugmire é a principal cidade dos cães, um porto seguro para todos aqueles que seguem o Código do Homem (um conjunto de leis que orientam a moral da sociedade canina; lembra um pouco as Leis da Máscara dos Vampiros em Storyteller), e que desejam viver em paz e em sociedade. Há outras cidades além de Pugmire, mas nenhuma tão grandiosa. Além disso, os cães não são os únicos que “evoluíram” (apenas os cães são jogáveis). Gatos, seus maiores rivais, também possuem uma cidade própria e são conhecidos por lidarem com espíritos e necromancia. Há também os estranhos ratos, que não possuem um reino, mas vivem as margens da sociedade em outras cidades, os terríveis guaxinins, bárbaros que destroem, consomem e roubam tudo por onde passam, e os incomuns lagartos, comerciantes nômades que eventualmente vão a Pugmire para vender especiarias. Entretanto, o mundo de Pugmire não é separado apenas em “bons cães” e “gatos maus”. Existem diversos cães ruins e que pouco se importam com o Código, além de haverem vários gatos que vivem pacificamente em Pugmire. Além disso, ainda há os demônios, chamados de unseen (ou “aqueles que não podem ser vistos”), que infectam o mundo e destroem tudo que existe.

O cenário é novamente apresentado no capítulo cinco, mas agora de forma mais aprofundada, sendo recomendada a leitura apenas para os narradores. O capítulo explica sobre o mundo antes da “evolução” das espécies, a influência dos homens, quem são os habitantes deste novo mundo e as criaturas que existem nele, a história da fundação de Pugmire, a estrutura social e cultural dos cães, e as principais organizações e facções existentes na cidade. Ele ainda detalha quase que minunciosamente a cidade de Pugmire, com seus bairros, pontos notáveis e até apresenta um mapa completo dela (o que me lembrou bastante alguns cenários que são voltados para aventuras num único local, como a cidade de Kausao de Jadepunk, publicado pela Pensamento Coletivo, e Lankhmar, cuja adaptação oficial para Savage Worlds foi publicada pela Retropunk). Além da cidade, o capítulo ainda resume sobre as principais localidades externas, como as outras cidades dos cães e a terrível floresta aonde apenas os mais bravos se aventuram.


Personagens e Magias
O capítulo dois trata das personagens e sua criação. Logo de início ele apresenta algumas fichas prontas para quem deseja começar a jogar de imediato e aprender a criar fichas depois. Contudo, ele escolhe uma dessas fichas e explica passo a passo como ela foi criada ao longo do capítulo, facilitando bastante a sua compreensão. Para se criar uma personagem, primeiro deve-se escolher um calling (ou “chamado”), que nada mais é que a sua classe. Existem seis delas: artesãos (magos e aqueles dedicados ao conhecimento e solução de mistérios), guardiões (guerreiros típicos e paladinos que protegem os oprimidos), caçadores (rangers e exploradores natos), rateiros (rastreadores, ladinos e criminosos em geral, especializados em velocidade e resistência), pastores (clérigos e cães que se dedicam à religião e ao Código do Homem), e selvagens (bárbaros e cães que vivem em meio selvagem). Cada calling definirá os Atributos primários da personagem, seu dado de vida, um conjunto de Perícias que ela conhece e alguns truques (nome dado as habilidades de classe do jogo). A maior diferença aqui para o D&D é que se pode escolher que truque a personagem terá a cada nível. Artesões, por exemplo, podem começar com magias ou optar em encorajar seus aliados (algo similar a inspiração do bardo). Desta forma, os callings são versáteis, mesmo que compartilhem características comuns. É possível, inclusive, aprender um único truque de outro calling, podendo-se, por exemplo, criar um guerreiro capaz de usar magias.

A segundo passo é escolher um breed (ou “raça”), sendo sete ao todo. Como o nome sugere, eles fazem o papel das raças do D&D, conferindo um truque exclusivo e +2 num Atributo (o sétimo breed seria algo como mestiço ou vira-latas dos cães, conferindo +1 em dois Atributos e qualquer um dos truques das demais). Aqui o autor fez questão de separar os cães não pelas suas raças (como pugs e chihuahuas), mas sim por uma característica marcante (como companheiros, trabalhadores e velocistas). O terceiro passo é escolher um background (ou “antecedente”), sendo oito e conferindo duas perícias específicas e um truque exclusivo para a personagem. Os próximos passos envolvem determinar as suas características gerais. Como no D&D, as personagens possuem seis Atributos (Força, Destreza, Constituição, Inteligência, Sabedoria e Carisma, sendo 20 seu valor máximo), modificadores, nível (que varia do 1º ao 10º; o próprio livro explica que é possível ir além, mas ele não aconselha devido a tendência de o sistema quebrar com o excesso de poder das personagens e a dificuldade para gerenciar tantas informações delas), proficiência (iniciando em +2 e aumentando a cada dois níveis), pontos de vida (aqui chamados de Stamina), e Perícias (4 ao todo). Deve-se, então, anotar os seus equipamentos iniciais (que dependem do calling e do background), o nome e história da personagem, e seus valores de defesa (o mesmo que classe de armadura), iniciativa e movimento. O último passo consiste em determinar os traços de personalidade da personagem. No Pugmire, eles são três: o ideal (aquilo que direciona as ações do cão); o laço (aquilo que ele tem de maior valor); e a falha (uma fraqueza, compulsão ou algo que o cão teme acima de tudo).

Adiantando um pouco a leitura, o capítulo quatro trata exclusivamente das magias. Elas funcionam de forma similar ao D&D 5ª Edição: algumas precisam ser miradas no alvo, exigindo um teste do mago, enquanto que a maioria o alvo deverá se defender do efeito com um save throw (ou “rolagem de salvamento”). A sua maior diferença está no fato de que a personagem poderá aprender magias quando achar que deve, não estando presa a tê-las já no primeiro nível mesmo sendo um truque do seu calling. Além disso, não existe um número limitado de slots de magia para cada nível, onde usar uma magia gasta uma quantidade de slots igual ao seu nível (algo bem similar aos pontos de magia de alguns sistemas, como o 3D&T Alpha). Isso permite que os magos sejam versáteis e criar personagens diferenciadas, mesmo pertencendo ao mesmo calling. A lista de magias está bem simplificada e elas vão do nível 0 ao 5.

Sistema e Narrando
O capítulo três apresenta as mecânicas gerais do jogo. Se vocês já conhecem o D&D 5ª edição ou D&D em geral, não haverá mistérios aqui. Todos os testes são feitos com a rolagem de 1d20 + um Atributo contra um valor de dificuldade estabelecido pelo narrador ou defesa do alvo. Caso a personagem possua um truque que possa lhe ajudar, ele poderá gerar um bônus no teste ou Vantagem (role 2d20 e use o melhor resultado), enquanto que algumas situações e condições poderão gerar Desvantagem (role 2d20 e use o pior resultado). O grupo possui uma quantidade de pontos de Fortuna que acumulam juntos, seja interpretando ou fazendo ações que condizem com os traços de personalidade de suas personagens, e todos podem usar para ajudar num teste, funcionando como os pontos de Destino do Fate ou de inspiração do próprio D&D. O capítulo continua explicando informações sobre o tempo no jogo, viagens, equipamentos, distâncias, descanso e recuperação, visão, armadilhas, emboscadas e combate (este segue bem o modelo da 5ª edição, onde as personagens possuem uma ação, um movimento, uma ação bônus, uma reação e uma ação livre, onde a maior diferença é que o movimento está mais relacionado a zonas que de fato a quantidade de quadrados que a personagem pode se mover). Por fim, o capítulo lista as condições, os tipos de dano, a morte e a progressão das personagens.

O capítulo seis apresenta uma série de dicas para o narrador guiar e criar a sua história. O capítulo em si explica muito do essencial para se narrar um RPG, e só. Senti que ele poderia ter se aprofundado mais nos assuntos que apresenta, dado exemplos e opções de como guiar uma narrativa. Contudo, ele ao menos apresenta algumas ferramentas interessantes para alterar o sistema, como criar personagens multi-classe e além do nível 10 (conforme expliquei anteriormente). O capítulo sete aborda alguns dos masterworks do cenário, ou as relíquias deixadas pelos homens para os cães. É basicamente um capítulo sobre itens mágicos e artefatos, mas sem grandes listas como no D&D. O capítulo oito trata dos inimigos que os cães poderão enfrentar, apresentando uma lista com cerca de 40 adversários. Pode parecer pouco, mas a joia do capítulo é justamente as suas regras para criação de inimigos. Seguindo um modelo bem parecido com o do 13ª Era, é possível que o narrador criei toda sorte de criaturas para enfrentar as personagens. Por fim, o capítulo nove apresenta uma aventura pronta chamada A Grande Conspiração Felina, que serve para introduzir os jogadores no mundo de Pugmire e exemplificar para os narradores como criar uma história no jogo.


Primeiras impressões
Conforme já havia adiantado, domingo passado eu joguei uma sessão de Pugmire. Contudo, o jogo não se passou em Pugmire (hein?!). Meu amigo Leish já vinha querendo testar o sistema há algum tempo e decidiu que era hora de fazê-lo, mas escolheu mudar o cenário. Assim, o jogo na verdade se passou nas Ilhas Moonshaes, que são uma parte do cenário mais famoso de D&D, o Forgotten Realms. Isso quer dizer então que jogamos com os cães de Pugmire em Forgotten Realms!? Bem, um dos jogadores sim. Uma das coisas que percebi assim que li o Pugmire é que os breeds são basicamente modelos raciais. Você pode simplesmente adotar um deles para a raça que quiser, sendo possível jogar com elfos, anões e halflings no lugar de cães e foi isso que fizemos. Enquanto que o outro jogador fez um humano, eu fiz uma fêmea do povo lagarto albina (lizard folk). E eis o nosso grupo estranho: um humano paladino fervoroso, uma druidesa do povo lagarto serva da mãe-terra e um kobold canino caçador (em algumas referências, principalmente no oriente, os kobolds são similares a cães).

Não pretendo falar da aventura em si, já que ela foi apenas uma abertura para a campanha que jogaremos (atualização: NUNCA JOGAMOS! MALDITO LEISH!!!), mas jogamos o suficiente para testar algumas das mecânicas básicas do sistema. Primeiramente, as personagens iniciantes são frágeis, o que é esperado de jogos no estilo do D&D. Contudo, elas não pareceram me pareceram incapazes. Como o sistema trabalha com valores baixos, não é complicado acertar um adversário, principalmente quando a maior CA possível é 18 (sem itens mágicos). Além disso, os truques das personagens complementam bem as suas capacidades, cumprindo o papel de habilidades raciais, de classe e talentos (enquanto que o truque do calling da minha personagem envolve ela ser capaz de conjurar magias divinas, seu truque do breed lhe confere Vantagem em testes de percepção sensorial, por exemplo, o que a torna ótima para notar a presença de outros seres). Quanto ao combate, eu percebi que ele foi muito dinâmico (o que é muito bom), algo similar ao que pude sentir jogando a 5ª edição. Porém, é muito cedo para avaliar se ele não se tornará mais complicado com o tempo, já que não usamos todas as suas nuances (como condições e efeitos mágicos). Já as magias pareceram-me bem ajustadas e até um pouco fortes, o que é aceitável dado o fato que gastam um recurso limitado para serem usadas. E realmente gostei de o esquema dos slots funcionarem como pontos de magia, o que dá maior liberdade ao escolher conjurar as magias.

Conclusão
Pugmire basicamente é uma versão simplificada e otimizada do D&D 5ª Edição. Ele não perde tempo dando opções em excesso para criar as personagens, o que muitas vezes pode gerar resultados pouco funcionais e levar o jogador a frustração. Ao mesmo tempo, a união de algumas classes que possuem características em comum, mas que se diferenciam por algumas especificidades, potencializa a sensação de versatilidade e escolha do jogador, que não precisa se ver preso com uma personagem que é igual a outra apenas por compartilharem a mesma classe. Além disso, ele apresenta um conjunto de regras muito mais objetivo e coeso, permitindo um maior dinamismo na sua execução e focado na narrativa. Contudo, ele ainda tem algumas das falhas que o seu antecessor possui, como não apresentar um bom conjunto de regras voltadas para as jornadas e a exploração, algo que vai contra um dos seus princípios apresentados ainda na sua Introdução.

De fato, o livro parece ter sido muito bem trabalhado na sua parte do cenário, mas preguiçoso na hora de explicar as regras, chegando a ser desconexo e confuso mesmo com os quadros explicativos. Não existem tabelas de equipamentos, por exemplo, onde o jogador só sabe o bônus que armaduras e escudos fornecem na defesa caso ele leia o truque de Aptidão para usá-las. Ainda sobre os equipamentos, cada background e calling fornece um conjunto de itens iniciais bem específico, mas como dinheiro não é algo relevante em Pugmire, o autor achou melhor não “explicar” como eles podem ser usados, e isso porque sempre é possível fazer um teste para “lembrar” que estava carregando alguma coisa num momento de necessidade. Não que a ideia seja ruim, pois ela claramente prioriza a narrativa e a continuidade da ação, mas então porque se dar ao trabalho de criar uma lista tão específica de itens que cada personagem terá devido seu background e calling? Além disso, um jogo que diz ter a sua ação voltada para a exploração não pode apresentar regras tão subjetivas e desconexas naquele que deveria ser seu principal elemento, não é? Pois é isso que ele faz (ou deixa de fazer, no caso).

Mesmo com falhas, Pugmire é um RPG que merece a sua atenção. Pessoalmente creio que, mesmo sendo impossível não o comparar com a 5ª edição, não vale a pena tentar avaliar qual dos dois é o melhor, principalmente porque eles possuem focos diferentes. Enquanto que o D&D possui um foco no combate como consequência da exploração, o Pugmire quer que através da exploração as personagens vivam aventuras de mistério e companheirismo, não se importando tanto com o combate (e nem gerando XP por ele). No fim, ele é um jogo muito fácil para quem já tem prática com sistemas d20, e por ser mais simples caba sendo ótimo para ensinar novos jogadores. Entretanto, ele falha na hora de ensinar ao narrador, sendo melhor utilizado por aqueles que já possuem alguma experiência.



E é isso pessoal! Espero que tenham gostado de mais esta resenha.

Até and Bye…
Postado originalmente no Mundos Colidem.

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