Olá pessoas!
Na postagem passada eu falei sobre Meu Amigo Totoro, onde citei que o filme apresenta um ótimo cenário para narrar algumas histórias do RPG Golden Sky Story. Não sabe do que estou falando? Bem, isso é previsível, pois se trata de um RPG japonês traduzido e lançado no ano passado pelo pessoal da Star Line através do Kickstart (mais um!). Por ter um apelo mais narrativo e uma temática específica, o jogo acabou passando meio que despercebido por nós brasucas, mas finalmente consegui por minhas mãos nele. Eis as minhas impressões sobre este RPG maravilhoso e diferente.
Primavera
Golden Sky Story, a Heart-Warming Role-playing, foi criado por Ryo Kamiya e Tsugihagi Honpo e se trata de um RPG não-violento e sem dados onde os jogadores assumem o papel de henge, animais que tem poderes mágicos e que podem assumir formas humanas para interagir com as pessoas, ajudando-as a enfrentar seus dilemas e curar as feridas de seus corações. Ele é um jogo sobre as coisas do dia a dia, mas repleto de magia. Só esta sinopse é suficiente para afugentar 80% dos jogadores usuais de RPG, isso sem nem ao menos abrir o livro para conferir do que se trata. Entretanto, é justamente esta proposta puramente narrativa que cativa o leitor de Golden Sky Story, fugindo absurdamente do usual e nos fazendo mergulhar numa história leve e emocionalmente envolvente.
Em seu primeiro capítulo, Primavera (isso é algo que já notei em outros dois RPGs japoneses: separar os capítulos por estações do ano), nos é apresentado o que é o Golden Sky Story e quem são os henge, dividindo-os em seis tipos de animais: as misteriosas e longevas raposas; os inocentes e carinhosos tanukis (uma espécie de guaxinim típica do Japão e que foge da descrição ocidental da raça); os independentes e zelosos gatos; os estabanados e leais cães; os enérgicos e carentes coelhos; e os gentis e avoados pássaros. Além disso, para ajudar a explicar ao leitor que este não é um RPG "tradicional", é apresentado um exemplo de história que pode ser contada com o Golden Sky Story, passando bem para os jogadores a ideia de que o papel de suas personagens é ajudar as pessoas a encontrar o caminho correto, usando de amizade e compreensão. Muito diferente do pilhar, matar e destruir usual, né?
Verão
O segundo capítulo, Verão, é dedicado ao jogador.
Nele é explicado a fundo cada tipo de henge e como criá-los, além de seus poderes e, principalmente, suas fraquezas. É também aqui que as regras são apresentadas. Cada personagem possui quatro atributos, sendo Henge (representa a força e o conhecimento sobrenatural), Animal (representa o físico e o instinto), Adulto (representa a astúcia e habilidade em ocultar seus sentimentos, além de medir o conhecimento do mundo humano e como usar suas tecnologias), e Criança (representa sua capacidade de brincar, divertir-se e cativar os outros), sendo usados para fazer checagens que modificarão como a narrativa seguirá adiante.
Em Golden Sky Story não há o conceito de “sucesso” e “falha”, sendo mais importante definir como a história e a interação entre as personagens ocorrem. Tanto que não são feitas rolagens, sendo necessário gastar pontos de Fellings e Wonders para alcançar bons resultados nas checagens. Estes pontos são obtidos no início de cada cena, onde a sua quantidade é definida através da força das Conexões, sendo os laços formados durante o jogo entre as personagens com os NPCs. As Conexões são uma via de mão dupla, onde a personagem possui uma determinada conexão com um NPC e o NPC possui sua própria com a personagem. Assim sendo, os Wonders usados para ativar poderes são obtidos através da soma da força das conexões da personagem com os outros. Já os Fellings usados para as checagens são obtidos através da soma da força das conexões dos outros para com a personagem. Esta mecânica não apenas dá pontos constantemente para serem gastos durante o jogo, mesmo que de forma comedida, como também reforça a proposta do jogo em si: de ajudar as pessoas, criando laços com elas e fazendo amizades. E para aumentar a força destas conexões é preciso acumular pontos de Sonhos, que são fornecidos para um jogador ou narrador (também!) por todos os demais jogadores da mesa sempre que eles julgarem que aquele que está recebendo questão fez uma ação “fofa” ou “pura”. Isso estimula a participação de todos na construção da narrativa, tornando o processo de contar a história algo colaborativo.
A transformação na forma humana também é algo importante, pois as pessoas podem se assustar e ficar Surpresas quando interagem pela primeira vez com um henge, o que pode destruir uma conexão antes mesmo dela ser firmada. Transformar-se custa Wonders, devendo ser mantida com a mudança de cada cena e variando conforme o horário do dia.
O capítulo em si termina falando do sistema de “evolução” do jogo. Aqui não há distribuição de pontos de experiência ou nada do tipo. O foco não é tornar o henge mais poderoso, mas reforçar suas conexões para que ele possa ajudar mais pessoas. Desta forma, sempre que uma história terminar, cada henge deve somar a força das conexões que estabeleceu para calcular os pontos de Memória que acumulou, que poderão ser usados como pontos de Fellings ou Wonders na próxima sessão. Ao mesmo tempo, cada conexão firmada é apagada e se torna um Thread, que podem retornar como conexões nas próximas histórias caso as personagens delas apareça.
Outono
O terceiro capítulo, Outono, é dedicado ao narrador e em o ajudar a como conduzir histórias narradas com o sistema.
Ele separa as funções do narrador em cinco pontos:
- Criar uma cidade: as histórias de Golden Sky Story ocorrerem em vilas interioranas, onde a vida é mais pacata e os animais são mais abundantes. Henge são animais por natureza, vivendo em seus habitats e não se afastando demais de suas tocas;
- Preparar a história: é importante definir o tema de cada história e os dilemas dos NPCs que aparecerão nela, a fim de guiá-la com mais facilidade;
- Guiar a história: é o ato de narrar em si, usando com sabedoria as regras e levando a narrativa adiante;
- Ser uma referência: o narrador deve dar exemplo, principalmente quando os jogadores são novatos no sistema e em jogar histórias como as contadas com o Golden Sky Story, ajudando-os e os estimulando a explorar suas personagens e os guiando de acordo com a proposta do jogo;
- Interpretar os NPCs: criando pessoas com seus dilemas e emoções.
O capítulo em si é um ótimo guia para os narradores, apresentando um exemplo completo de sessão de jogo e duas histórias prontas. Entretanto, sua leitura não se limita apenas para narrar jogos usando o Golden Sky Story, podendo exportar muitas das suas dicas e pensamentos para outros RPGs, mesmo os mais mainstream.
Inverno
O último capítulo, Inverno, traz listas com vários exemplos de NPCs que podem ser encontrados, sejam animais, pessoas e deuses locais. O mais interessante deste capítulo não é a lista em si, mas os exemplos de como cada NPC podem ser usados em jogo, ou como jogar com eles.
Por fim, o livro apresenta a cidade de Hitotsuna, um exemplo completo de uma típica vila de Golden Sky Story, com seus locais e deuses e que pode ser usada livremente em jogos. Há também uma breve explicação de como construir sua própria vila para aqueles que desejam fazê-lo. Este é um capítulo mais informativo e de auxílio ao narrador, alcançando com facilidade seu objetivo.
Everyday Magic
Como falei na Apresentação, a narrativa de Golden Sky Story se concentra em histórias sobre as coisas do dia a dia, ou Everyday Magic, como o livro cita, que desestimula o uso de violência para resolver os problemas e preza pela construção de pequenas histórias, usando as conexões das personagens como recursos necessários para que elas possam ajudar as pessoas a sua volta. A página 67 do livro detalha bem o verdadeiro espírito do jogo, ajudando a todos a compreenderem o real significado deste estilo de narrativa.
Golden Sky Story é um jogo onde todos trabalham juntos para encontrar um meio de fazer as pessoas felizes. E não é preciso toda uma aventura de várias sessões para uma história terminar. De fato, suas histórias ocorrem idealmente numa única sessão de poucas horas. A cena inicial deve apresentar rapidamente o problema a ser resolvido no decorrer da sessão. Este não é um jogo sobre os conflitos, mas sim sobre intimidade. Aqui você precisará se aproximar das pessoas para ajudá-las, conhecê-las melhor e, aos poucos e ao longo das demais histórias, conhecer mais a sua vila e seus habitantes.
Fechamento
Enfim, Golden Sky Story é um RPG fabuloso e único. É evidente que ele não é para todos, mas aconselho muitíssimo que ao menos o leiam (para os que sabem inglês, infelizmente). Sua leitura é leve e prazerosa, pouco lembrando os compilados chatos de regras que muitos sistemas costumam ser, construindo ao longo do livro uma narrativa que tenta o tempo todo passar sua verdadeira essência. E, se você realmente gostar dele, tire um final de semana e chame uns amigos para fugir dos mesmos sistemas e experimentar algo completamente diferente.
Até and Bye...
Postagem revisada em 08/10/2024.
Fiquei curioso sobre como seria a mecânica de jogo dele.
ResponderExcluir@Ásbel
ExcluirDe fato ele tem uma mecânica muito singular. Eu tentei simplificar a explicação para passar uma noção geral. Espero que tenha dado pra entender no geral.
Até and Bye...